Sunday, November 10, 2013

An ode to smoking/A farewell

Disse uma vez Richard Klein que a única forma de parar de fumar é quando se admite amar fumar. Esta será minha quarta tentativa. e a verdade é que mais que vício, considero o cigarro um companheiro, um grande amor da minha vida. Meu mais longo e mais íntimo amigo/amante/aliado.
Pois, parar devemos. Por isso, resolvi por tinta ao papel numa forma de reflexão/carta de amor ao meu querido cigarro. Assim, parar de fumar não será somente uma afirmação da vida (sim, todos sabemos os males do tabaco) mas uma legítima razão para o luto. Afinal vida não é meramente estar vivo. Abrir mão do que o cigarro representa pra mim é abrir mão de um pedaço da minha identidade-que foi construída nos últimos 12 anos ao redor de um símbolo muito presente estética e culturalmente. o cigarro.

meu primeiro cigarro foi clandestino - como os primeiros de muitos são - cabulando aula na sexta série com um grupo de meninas mais velhas (a turma da oitava) que pra mim, na época, eram  mais descoladas, experientes e sábias que eu jamais poderia imaginar um dia ser igual. Na praça atras da escola, a mesma infame praça em que dois anos depois fumaria meu primeiro baseado proclamando as injustiças de um mundo capitalista enquanto recitava meus ideais comunistas... divago. Foi nessa praça que fumei um cigarro com as meninas da oitava série. Fora o gosto ruim e o ataque de tosse, me senti pertencente - e não mais um fraude - a essa turma. Com a fumaça, um gosto pela rebeldia adolescente, um controle (errôneo) pelo meu próprio destino.

Mas foi no segundo colegial e uma viagem-mudança-de-paradigma que o cigarro (o lucky strike vermelho) entrou de vez no meu coração e na construção da minha identidade. Tínhamos lido e relido On the Road do kerouac a ponto de saber passagens inteiras de cor, bebíamos vodka ruim de manhã cedo, fazíamos manifestos neo-surrealistas na garupa de pick-ups alheias de carona pra praia e fumávamos muito. Essa viagem pra ilhabela marcou e estabeleceu quem seriam meus melhores amigos dos próximos dez anos (e, arrisco em dizer, pro resto das nossas vidas). Foi uma época em que nos descobrimos estetas. em que eu me descobri esteta. Foram as sessões de cinema de Nouvelle Vague e expressionismo alemão, cafés de 5 horas discutindo a dialética de Hegel, lendo poemas de Jorge Luis Borges, sofrendo com Dostoiesvki e sonhando com a liberdade nas pontes de Paris, nos clubes de jazz em Nova York, nas mesas de bar em Londres. Eu queria ser do mundo. Queria ser Hemmingway, Sartre e Thelonious Monk. Queria as experiências de Tolouse Lautrec e Dalí, queria viver como Kerouac e Hunter S. Thompson. Queria produzir como Godard e Rosselini. Queria viver no mundo de Casablanca. Numa mente recém-aberta (e deveras arrogante para uma menina de 16 anos) a produção cultural acumulada de séculos, minha única ponte aos mestres era a sede insaciável ao conhecimento e o cigarro que unia todos eles. Fumar não só como ação física de acender, tragar, bater cinza, apagar, mas como discurso -  uma forma muda, articulada e retoricamente complexa de se expressar.  E a minha forma de ser como meus heróis. 



Minha primeira paixão pós-adolescente -aos 19 anos - foi por um rapaz que parecia Marcelo Mastroianni e que me conquistou com um conto do Cortázar. Ele me disse, num canto escuro de um bar qualquer, que fumávamos o mesmo cigarro e perguntou se eu gostava de Catherine Deneuve. Sem entender muito bem, ele me acendeu um cigarro  disse para procurar Manuscrito achado num bolso do Cortázar (sem mesmo saber que eu venerava O jogo da Amarelinha dele como um manual de existência). Dias depois, me aventurei à biblioteca e achei o tal conto em que um rapaz apaixona-se por Ana pela vidraça de um metrô e eles fumam o mesmo cigarro e os dois gostam de Catherine Deneuve. foi o suficiente para me apaixonar perdidamente. Eu e meu Mastroianni e nossos cigarros. Obviamente a relação não durou. era tudo baseado na superficialidade da estética das palavras e das coisas e de Foucault.   E quando meu coração se partiu tão rápido quanto foi entregue, a fumaça estava ali para me consolar. A estética da melancolia da vida através dos olhos de uma menina com o coração quebrado se mostrou mais preciosa que a paixonite. as madrugadas antes dedicadas ao Mastroianni agora eram exclusivas de Lucky Strike, passadas na frente do computador redigindo prosas e textos dos mais belos (reli alguns textos meus do póstumo blogue de 2006 e me impressionei)

e na dualidade da noite, os símbolos contraditoriamente deliciosos do cigarro; calmo e excitante, uma ocasião para devaneios e fantasias e uma ferramenta para concentração, absolutamente superficiais e terrivelmente profundos, soldados e ciganos, detestáveis e deliciosos. São como amantes belos e cruéis mas são os melhores e mais leais dos companheiros.


O prazer de um cigarro é sublime. Sublime na definição de Kant (e na de Klein), um prazer negro, a satisfação estética que inclui uma experiência negativa, um choque, um bloqueio.  Mau-gosto, enjoo, tosses que fazem o corpo todo tremer, cheiro ruim, inúmeras escadas ofegantes, o desespero de se encontrar sem cigarro nenhum - e uma força perversa de sair na chuva às 3 da manhã para achar uma banca aberta, a terrível sensação visceral de depender de um objeto estranho ao seu corpo, e, claro, ma intimidação diante da mortalidade. E talvez esteja aí sua principal atração. o prazer estético negativo associado ao sublime logicamente exige o momento indispensável de ameaça para obter seu efeito desejado. Quanto mais nítido o abismo se abre sob nossos pés, mais intenso é o prazer de desafiar a experiência negativa e a satisfação de brincar com a vida.
É, portanto, um Prazer dolorido que vem inevitável de uma sugestão de eternidade mesmo diante de sua própria efemeridade.

Prazer de um café amargo logo cedo, o primeiro cigarro do dia. o primeiro trago, uma fumaça que se mistura ao café e enche o dia de possibilidades. o mesmo café e outro cigarro a tarde, entre risos e fofocas com as melhores amigas, um sol tímido que acaricia a pele, e os raios que passam pela fumaça. Ou a chuva que cai la fora e a fumaça enche os pulmões, que se esvaziam ao ritmo do dissipar de angústias
Prazer de uma mesa de amigos num pós almoço domingueiro. De repente, quase que em uníssono, cada um saca seu maço e dá-se uma quase sinfonia de cliques de isqueiros, pólvora queimando papel ( que é um som tão bom quanto cheiro de grama recém cortada), tragos largos e suspiros de fumaça. sorrisos aliviados (que pra mim ressoa no corpo todo)
Prazer de um cigarro solitário, caminhando na rua. melancólico e acinzentado, frio, chuvoso, com pressa ou sem.
prazer de um dividido, acompanhado, na cama- na madrugada ou de manhãzinha- pontuando experiências, sedimentando contato e intimidade - construída ou desejada.
prazer de momento compartilhado com estranhos, cumplicidade em exílio, do lado de fora de bares e restaurantes mundo afora, uma camaradagem momentânea de pessoas que guardam o mesmo segredo.

Mas o cigarro é também feio. Seu refugo é uma bituca amassada, um pó preto boiando na cerveja quente, uma brasa torta no cinzeiro. Seu cheiro é incômodo, folha de tabaco com tinta, amoníaco, feito de papel branco com marca, aquele filtro bege-morri, uma espuminha na ponta. O maço tem aquele plástico tenebroso, cores básicas, hediondamente enfileirados nas bancas e padarias, um atentado à beleza dos caixas de café. O cigarro queima rápido, injeta uma fumaça estranha, branca no pulmão. Sua cinza cai com cor de concreto-asfáltico, como uma pequena metrópole fumegante no chão, uma montanha negra pontilhada de branco (contraponto feito pelo querido Gustavo Bianezzi numa conversa de 8 anos atrás)


Em si, o cigarro parece, por natureza, tão insignificante e dispensável que ele quase não tem qualquer identidade. Raramente único. Cada cigarro implica numericamente em todos os outros cigarros exatamente iguais - ele evoca seu inevitável sucessor e se junta aos anteriores. São anônimos, pensados de forma coletiva, saboreados fugazmente e impessoalmente, esquecidos imediatamente. A única maneira de um cigarro singular alcançar um status é quando ele é o último.

Não é especial. Mas é um símbolo demasiado ambíguo e é essa a graça. Sempre precisando de interpretações. símbolos múltiplos, frequentemente contraditórios Seja ele um volume de um livro que abre e revela significados heterogêneos, estéticos, psicológicos: sendo fumado entre dois dedos, em forma de fumaça embriagante ou sendo oferecido direto de um maço. Pode tanto servir para barrar a intrusão de estranhos e ser instrumento intimidante, quanto para seduzir e provocar; um convite a intrusão. Uma alegoria do tempo, fumantes bem sabem - o ônibus chega depois de 1 cigarro e meio, o caminho até o bar são dois, se alguém atrasar mais que 3 cigarros é imperdoável...

A brasa que arde num cigarro recém aceso, que ilumina tudo numa noite de verão sem lua. Os versos de Fernando Pessoa que fuma ao pensar em escrevê-los, a tranquilidade de tragar lentamente em ritmo de férias, o gosto salgado de maresia nos dias pacatos e a satisfação do maço cheio em  noites de copos esvaziados e de risadas em butecos. Sentar-se ao lado de alguém na varanda, o céu, a fumaça e a companhia como se fosse o destino. O cheiro do primeiro cigarro na sala virgem, aquele que convida o próximo, que se mistura à pressa do cotidiano, ao stress e as histórias e telefonemas e mensagens, esperando o ônibus. A pausa do trabalho que convida para o devaneio diurno, que apressa a cabeça e organiza as idéias. Isqueiro aceso antes que o farol fique verde, enquanto Bob Dylan ou Rolling Stones ou Dave Brubeck ressoa e o mundo parece um lugar melhor, e eu estou completa. O cigarro sendo fumado ao lado de uma coca-cola gelada com gelo e limão. em qualquer lugar do mundo. A brasa que arde nos filmes de amor antigos e a representação de todos os cigarros que eu ainda queria fumar.

Mas, enfim, esse é meu adeus. Adeus dramático, digno do ato de fumar. solitário numa noite de verão que cheira promessas. Adeus não, um até logo. quando eu tiver 75 anos volto a fumar. acho justo.







Tuesday, November 5, 2013

What i want out of life, love.


Frances Ha é um filme que eu queria ver. Queria ver porque é sobre young(ish) meninas morando em nova york sem saber muito bem o que fazer da vida. Disfunctional adults. E eu me pego, mais do que eu gostaria, me sentindo uma dessas deslocadas no tempo espaço. Vendo amigos se encaixarem, apartamentos e projetos, famílias constituidas e dinheiro guardado (agora pensando, na verdade não são tantos), e me sentindo anacrônica. E me prendendo a ideais românticos de romance, de sucesso, de independência, intelectualidade, responsabilidade..... Enfim, queria ver o filme. E amo a Greta Gerwig.
Só que aí eu vi. e nessa noite fria de terça-feira veio em mim uma onda de incerteza e de melancolia. Só que não a melancolia bonita das noites de jazz esfumaçadas, de saber que a esperança está dobrando a esquina. Uma melancolia de dúvida, de incerteza existencial, de ficar sem chão. e por mais que eu esteja longe de ser a frances, eu sou ela. somos todas ela? a coincidencia de idades, de sonhos, e de anseios da vida - de modo bastante abrangente - me pegou de surpresa... e me fica a pergunta: e agora?

velho, mas recorrente.

Sobre New York, São Paulo. cidades cinzentas. cidades em que perder-se é quase um pressuposto:


E quem disse que a solidão coletiva não encontra conforto na multidão talvez tenha se enganado. Pois então se encontra uma lei silenciosa, uma lei de convivência anônima e cúmplice.
entre o cedo de manhã e o tarde da noite é quando a cabeça funciona em autodrive. quase sem controle do que há porvir, seguindo a vida passo a passo (ou de pulo em pulo) quase não se tem momentos de respiro existencial. minto. respiro existencial tem sim. Entre um e o próximo cigarro.  Enquanto se espera o computador ligar, enquanto o farol é vermelho. São esses momentos que durante nossas vidas atarefadas lembramos do existir. E da dor de existir. o tédio, a tristeza, a solidão. são esses entre-coisas que lembramos. e tentamos fingir que não.  entre o tarde da noite e a nova aurora o peso é maior. Especialmente quando o sono não alcança. Tem alguma coisa na escuridão da madrugada que atiça os sentidos. O peso é maior, a reflexão não nos escapa.

unfinished.

Monday, November 4, 2013

Desintegração

9deMaio2006

se não se vê o colorido nos olhos e a palpitação no pulso, vale a pena a insistência? A compatibilidade física e a concordância intelectual se provaram insuficientes para uma estrutura. Mas o ego desinflado dói a dor-egoísta de si. Dói pelo não mais ser gostado como se era. Dói pela quebra de expectativas e pela impossibilidade de ter adivinhado tão prontamente. Mas a dor reflete o viver das experiências e a dinâmica da dialética cotidiana e se torna necessário para a lembrança e a superação -e talvez um pouco pela estética melancólica que é frágil. Não que a dor está demasiada forte ou enraizada. É o sofrer de uma lesão na perna. Dói mais do que deveria, mas pela satisfação de um tempo flutuante na cronologia. Mesmo que sabiam, pelo pressuposto das condições, que um dia as coisas tomariam seu rumo natural de desintegração, de divergência em diferentes caminhos, um soube antes que outro. Mas dói a não-propriedade - mesmo que superficial e efêmera - dói a ausência de volumes reconhecíveis mesmo que curiosamente estranhos e desprovidos de um sentimento maior. Seria ilusão a possibilidade de criação? Mas isso já não importa mais para os que perderam o palpável. Faz-se criar lembranças e seguir em frente. E o faço com as mãos no bolso e arrisco um meio sorriso.

Monday, September 23, 2013

like a teenager.

uma página em branco e meus vinte e tantos (já!) anos pedindo um escape da brutalidade do cotidiano. Cadê o frescor da juventude? já era. e ainda não foi substituido pela calma e certeza da sabedoria que alguém (quem?) me prometeu sobre ficar mais velho. a vida começa quando?
aos 40, minha mãe costumava a dizer.
as 20, eu achava na minha ingenuidade
aos 26 parece que estou presa num limbo. ainda é aceitável ser disfuncional? ainda é charmoso ser confuso e não ter direção certa?


nunca num s coube tanto sentimento.